quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Olimpíadas


OLIMPÍADAS
                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*   
            Os atuais Jogos Olímpicos de Londres são uma ocasião para nossa reflexão sobre os valores cristãos de disciplina, fraternidade, paz e reconciliação do mundo, através dos esportes.
            São Paulo Apóstolo escrevendo aos Coríntios, familiarizados com os jogos olímpicos, partilhou a admiração desses povos helenos pelas proezas dos atletas nos estádios, tirando do seu exemplo lições para a nossa vida espiritual (cf. 1 Cor 9, 24-25).
A religião não é alheia ao esporte e a Igreja sempre apoiou o desporto sadio. A finalidade do verdadeiro esporte é tornar o corpo são e dócil para que paralelamente a alma possa se robustecer e enobrecer. Na alta Idade Média, a verdadeira e não a falsa que muitas vezes historiadores superficiais tentam nos impingir, houve uma florescência ideal do verdadeiro desporto cristão. O Barão Pedro de Coubertin, renovador dos Jogos Olímpicos da atualidade, cuja iniciativa foi encorajada pelo Papa São Pio X, assim escreve: “A Idade Média conheceu um espírito desportivo de intensidade e vigor provavelmente superiores aos que conheceu a própria antiguidade grega”. Ele atribui isso à influência primordial da religião que criou uma atmosfera das mais favoráveis à eclosão e desenvolvimento do espírito cavalheiresco que consiste na “lealdade praticada sem hesitação” (Pierre de Coubertin, La Pédagogie Sportive). O cristianismo tem, pois, grande influência no jogo limpo, no “fair-play”.
Em 22 de julho último, após o “Ângelus”, o Papa Bento XVI, falou sobre os Jogos Olímpicos de Londres: “As Olimpíadas são o maior acontecimento esportivo mundial, nas quais participam atletas de muitas nações, revestindo-se assim de um alto valor simbólico. É por isso que a Igreja católica as olha com uma simpatia e atenção particulares”. Ele convidou os católicos a rezar para que “segundo a vontade de Deus, os Jogos de Londres sejam uma verdadeira experiência de fraternidade entre os povos da Terra”. “Eu dirijo minhas saudações aos organizadores, aos atletas e aos expectadores, e eu rezo para que, no espírito da trégua olímpica, a boa vontade gerada por este acontecimento esportivo internacional traga frutos, promovendo a paz e a reconciliação no mundo”.
            Por ocasião do campeonato europeu de futebol 2012, Bento XVI, em sua mensagem, citou o Beato João Paulo II: “As potencialidades do fenómeno desportivo tornam-no instrumento significativo para o desenvolvimento global da pessoa e fator muito útil para a construção de uma sociedade mais humana. O sentido de fraternidade, a magnanimidade, a honestidade e o respeito pelo corpo — sem dúvida virtudes indispensáveis para todos os bons atletas — contribuem para a edificação de uma sociedade civil na qual o ‘agonismo’ substitua o antagonismo, o encontro prevaleça sobre a competição e o confronto leal sobre a contraposição vingativa. Entendido desta maneira, o desporto não é um fim, mas um meio; pode tornar-se veículo de civilização e distração genuína, estimulando a pessoa a pôr em campo o melhor de si e a evitar o que pode ser perigoso ou de grave prejuízo para si mesmo e para os outros”.

*Bispo da Administração Apostólica       Pessoal São João Maria Vianney 

O Cura d'Ars


O CURA D’ARS
                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*    

O mês de agosto é o mês dos sacerdotes e das vocações, porque nele se celebra o patrono de todos os padres, São João Maria Vianney, o Cura ou Pároco da cidadezinha francesa de Ars, “modelo sem par, para todos os países, do desempenho do ministério e da santidade do ministro”, no dizer do Beato João Paulo II, paradigma para a nova evangelização. 
Nascido de uma família de camponeses católicos e muito caridosos, João Maria tinha sete anos quando o Terror da Revolução Francesa reinava em Paris e os padres eram exilados ou mortos. Recebeu a primeira comunhão aos treze anos, durante o segundo Terror, quando a igreja de sua cidade foi fechada e as tropas revolucionárias atravessavam a paróquia. O governo revolucionário estabeleceu a constituição civil do clero e só os padres que faziam esse juramento cismático eram conservados nos cargos. Os outros padres, fiéis à Igreja e que não aceitavam aquele cisma, eram perseguidos, mas atendiam secretamente os fiéis nos paióis das fazendas. Foi a visão desses heróis da fé que fez surgir no jovem Vianney a sua vocação sacerdotal. Candidato, pois, ao heroísmo e à cruz no ministério.
Enfrentou dificuldades no Seminário, donde chegou a ser despedido por incapacidade nos estudos, teve problemas com o serviço militar, conseguiu, porém, aos vinte e nove anos, ser ordenado sacerdote, mas sem permissão para ouvir confissões. Após três anos, foi enviado a uma pequeníssima paróquia, Ars, onde permaneceu durante 42 anos, até o fim da sua vida.
“Há pouco amor de Deus nessa paróquia”, disse-lhe o Vigário Geral ao nomeá-lo, “Vossa Reverendíssima procurará colocá-lo lá”. De fato, Ars, nesse período pós Revolução Francesa, estava esquecida de Deus: pouca frequência às Missas, trabalho contínuo nos domingos, bailes, blasfêmias, etc. O Pe. Vianney começou com penitências e orações próprias. Pregação e catequese contínuas, visitas às famílias e caridade para com os pobres. A Igreja foi se enchendo. Ouvia confissões desde a madrugada até a noite. Peregrinos de toda a França acorriam a Ars, chegando a cem mil por ano. Suas pregações eram assistidas por bispos e cardeais. Seu catecismo era ouvido por grandes pregadores que ali vinham aprender com tanta sabedoria. Morreu aos 74 anos, esgotado pelas penitências e trabalhos apostólicos no ministério sacerdotal. Dizia esse herói da Fé: “É belo morrer depois de ter vivido na cruz”.
Por que razão a Igreja escolheu este santo tão simples para patrono dos padres? Porque sua vida demonstra a nulidade humana e a grandeza do poder de Deus. Para que aprendamos que não são nossos dotes e qualidades humanas que salvam as almas: Deus é que é o protagonista de toda ação pastoral. Por isso também o escolhemos para patrono de nossa União Sacerdotal, transformada pela Santa Sé em Administração Apostólica.
Que todos os fiéis, os grandes interessados, rezem pelos nossos sacerdotes e seminaristas, para que eles imitem a humildade, pobreza, retidão, zelo e fidelidade desse grande herói do ministério sacerdotal, que tanto honrou o sacerdócio paroquial e a Igreja de Cristo.

*Bispo da Administração Apostólica       Pessoal São João Maria Vianney 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Um Santo Cientista II

UM SANTO CIENTISTA II

Dom Fernando Arêas Rifan*

Já nos referimos em artigo passado ao Dr. Jérôme Lejeune, médico e cientista francês, que, por causa das suas descobertas, atingiu notoriedade internacional, aclamado em todos os centros de pesquisas do mundo e que está em processo de beatificação. Acontece que, paralelamente às suas pesquisas, começavam fortes campanhas pro-abortistas na Europa e nos Estados Unidos. Conta Clara, a filha de Lejeune, em seu livro “Life is a blessing: a biography of Jérôme Lejeune”, que o cientista declarou-se abertamente contra e, a partir disso, fecharam-se “repentinamente” todas as portas da mídia, ao ponto de mais ninguém chamá-lo para entrevistas sobre seus “notáveis” descobrimentos.
Podemos dizer dele: o homem que perdeu o Premio Nobel para ganhar o Céu! Gostaria de hoje transmitir algumas de suas sábias e lapidares palavras, que contêm argumentos valiosos de um cientista a favor da vida:
 “Penso pessoalmente que diante de um feto que corre um risco, não há outra solução senão deixá-lo correr esse risco. Porque, se se mata, transforma-se o risco de 50% em 100% e não se poderá salvar em caso nenhum. Um feto é um paciente e a medicina é feita para curar... Toda a discussão técnica, moral ou jurídica é supérflua: é preciso simplesmente escolher entre a medicina que cura e a medicina que mata”.
“Se um óvulo fecundado não é por si só um ser humano ele não poderia tornar-se um, pois nada é acrescentado a ele.”
         “Logo que os 23 cromossomos paternos trazidos pelo espermatozoide e os 23 cromossomos maternos trazidos pelo óvulo se unem, toda informação necessária e suficiente para a constituição genética do novo ser humano se encontra reunida. O fato de que a criança se desenvolve em seguida durante 9 meses no seio de sua mãe, em nada modifica sua condição humana. Assim que é concebido, um homem é um homem. Não quero repetir o óbvio, mas na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos femininos, todos os dados genéticos que definem o novo ser humanos já estão presentes. A fecundação é o marco da vida”.
 “... Se logo no início, justamente depois da concepção, dias antes da implantação, retirássemos uma só célula do pequeno ser individual, ainda com aspecto de amora poderíamos cultivá-la e examinar os seus cromossomos. E se um estudante, olhando-a ao microscópio não pudesse reconhecer o número, a forma e o padrão das bandas desses cromossomos, e não pudesse dizer, sem vacilações, se procede de um chimpanzé ou de um ser humano, seria reprovado. Aceitar o fato de que, depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a sua concepção até sua velhice não é uma disputa metafísica. É uma simples evidência experimental. No princípio do ser há uma mensagem, essa mensagem contém a vida e essa mensagem é uma vida humana”.
“A sociedade não tem que lutar contra doença, suprimindo o doente. Um único critério mede a qualidade de uma civilização: o respeito que ela prodigaliza aos mais fracos de seus membros. Uma sociedade que se esquece disso está ameaçada de destruição. A civilização está, muito exatamente, no fornecer aos homens o que a natureza não lhes deu. Quando uma sociedade não admite os deserdados, ela dá as costas à civilização”.
O Prof. Dr. Lejeune já esteve aqui no Brasil e proferiu em 27/8/1991, no Auditório Petrônio Portella do Senado Federal, uma brilhante conferência sobre Genética, mostrando que desde a fecundação do óvulo pelo espermatozoide existe um ser humano, que merece o respeito devido a qualquer pessoa; o óvulo fecundado se torna “a célula mais especializada sobre a Terra; nenhuma outra célula tem a mesma riqueza de instruções para desenvolver a vida”. O conferencista terminou, proferindo esse magnífico epilogo:
“Desejo resumir meu pensamento relativo à contracepção, ao aborto, a tudo o que disse até aqui. Desejo lembrar-lhes que o homem é o único ser neste planeta que sabe existir uma relação natural entre o ato sexual e a procriação. O mais astuto chimpanzé nunca saberá que existe uma relação entre o fato de cruzar com sua mona e a aparição, nove meses depois, de um macaquinho parecido com ele. Ele não é capaz de compreender essa relação. O ser humano sempre entendeu isso. Tanto isso é verdade que os antigos, para traduzir a paixão amorosa e o prazer do sexo, representavam-nos por um menino — o Cupido. E todos entendiam o seu significado. Disto se pode concluir que o comportamento sexual do homem é certamente o que mais o distingue dos demais seres vivos, porque só ele sabe que as crianças são o fruto do amor. Portanto, no comportamento sexual separar o prazer e o amor da reprodução e, por consequência, do filho, é um erro de método. Isto pode ser assim resumido: a pílula significa fazer amor sem fazer filho, a fecundação extracorpórea significa fazer filho sem fazer amor, o aborto significa desfazer o filho, a pornografia e a promiscuidade significam desfazer o amor. Nada disso é compatível com a dignidade humana”.

                         *    Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

São Pedro - Bento XVI

SÃO PEDRO – BENTO XVI
                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*    
Dia 29 próximo celebraremos a festa de São Pedro, apóstolo escolhido por Jesus para ser seu vigário aqui na terra, constituído por ele seu representante (“vigário”, aquele que faz as vezes de outro), chefe da sua Igreja: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas (os poderes) do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (a Igreja): tudo o que ligares na terra será ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu” (Mt 16, 18-19).
            São Pedro, fraco por ele mesmo, mas forte pela força que lhe deu Jesus, representa bem a Igreja de Cristo. No Credo do Povo de Deus proclamamos: “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro... Cremos que a Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica. Ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo.
            Nesse dia também celebramos, com toda a Igreja, os 61 anos da ordenação sacerdotal do nosso caríssimo Papa Bento XVI, 265º sucessor de São Pedro. A ele os nossos parabéns e votos de muita saúde, força e graças para o governo da Igreja que lhe foi confiado.
            Como ele mesmo diz, sua ordenação sacerdotal foi o “momento mais importante” da sua vida. Ele recebeu o sacramento junto ao seu irmão mais velho, Georg, das mãos do cardeal Michael von Faulhaber, conhecido como grande opositor do nazismo.
            Ele mesmo escreve nas suas memórias: “No dia da primeira Missa, fomos acolhidos em todos os lugares – também entre pessoas completamente desconhecidas –, com uma cordialidade que até aquele momento eu não poderia ter imaginado. Experimentei assim, muito diretamente, quão grandes esperanças os homens colocavam em suas relações com o sacerdote, quanto esperavam sua bênção, que vem da força do sacramento. Não se tratava da minha pessoa nem da do meu irmão: o que poderiam significar, por si mesmos, dois irmãos como nós, para tanta gente que encontrávamos? Viam em nós pessoas às quais Cristo havia confiado uma tarefa para levar sua presença entre os homens; assim, justamente porque não éramos nós que estávamos no centro, nasciam tão rapidamente relações de amizade.”
Mas o Papa não quer que este seja um momento de exaltação da sua pessoa; ele espera que sirva para promover na Igreja o agradecimento a Deus pelo dom do sacerdócio e para pedir-lhe que suscite novas vocações. Esta mesma (re)descoberta do sacerdócio, no âmbito universal, é o objetivo que Bento XVI apresenta ao celebrar seu aniversário de ordenação.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Padroeiro dos políticos


O PADROEIRO DOS POLÍTICOS

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*
                                                                    
Dia 22 próximo, a Igreja celebra a festa do mártir Santo Tomás More. Lorde Chanceler do Reino da Inglaterra, por não ter aceitado o divórcio e o cisma do rei Henrique VIII, foi condenado à morte por traição e decapitado em 1535. Preferiu perder o cargo e a vida a trair sua consciência. A Igreja o proclamou padroeiro dos Governantes e dos Políticos, exatamente porque soube ser coerente com os princípios morais e cristãos até ao martírio. O belo filme da sua vida, em português, que recomendo, intitula-se “O homem que não vendeu sua alma!”. 
A coerência é uma virtude cristã que deve penetrar todas as nossas ações e atitudes. Pensar, viver e agir conforme a nossa fé e nossas convicções cristãs. Caso contrário, seremos hipócritas e daremos um grande contra-testemunho do nosso cristianismo. A consciência é única e unitária, e não dúplice. Não se age como cristão na Igreja e como pagão fora dela.
“O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades [terrena e celeste], a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” (Gaudium et Spes, 43).
O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo do País, mas traz um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura” (Beato João Paulo II, Christif. Laici, 59). 
 “Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, deverão se esforçar os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho” (Paulo VI, Octogésima Adveniens, 46). “Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem...” (idem, 26).
No atual clima de corrupção e venalidade que invadiu o sistema político, eleitoral e governamental, possa o exemplo de Santo Tomás More ensinar aos governantes e políticos, atuais e futuros, que o homem não pode se separar de Deus, nem a política da moral, e que a consciência não se vende por nenhum preço, mesmo que isto nos custe caro e até a própria vida.

*Bispo da Administração Apostólica           Pessoal São João Maria Vianney

terça-feira, 12 de junho de 2012

Santos Juninos

SANTOS JUNINOS
Dom Fernando Arêas Rifan*
No mês de junho, temos as tradicionais festas juninas. Devemos nos lembrar de que, ao menos originalmente, elas existem para comemorar três santos de grande importância, exemplo para nós e cuja memória se celebra neste mês: Santo Antônio, dia 13, São João Batista, dia 24, e São Pedro, dia 29. Infelizmente, como muitas outras festas religiosas, as festas juninas são também um pouco desvirtuadas, ficando-se nos acessórios e se esquecendo do principal.
Celebramos então hoje um grande herói da fé, Santo Antônio de Pádua, também chamado, sobretudo pelos portugueses, Santo Antônio de Lisboa. Ele nasceu em Lisboa, chamava-se Fernando, foi cônego da Ordem da Cruz e entrou, pelo desejo do martírio, na Ordem Franciscana, tomando o nome de Antônio. Foi grande pregador, recebendo as alcunhas de “Doutor Evangélico” e “martelo dos hereges”, terminando a sua vida em Pádua, na Itália. É o santo dos milagres, tal a quantidade de fatos extraordinários e sobrenaturais que acompanhavam a sua pregação. Sua língua está miraculosamente conservada em Pádua, há mais de 700 anos.
São Pedrofoi apóstolo de Jesus, por ele escolhido para chefe do colégio apostólico e da sociedade hierárquica visível que ele fundaria, simbolizado isso pela entrega das chaves do Reino dos Céus, ou seja, da sua Igreja. Pescador do mar da Galiléia, foi por Jesus transformado em pescador de homens. Após ter chorado o seu pecado de negação do seu divino Mestre, foi por ele consagrado seu vigário aqui na terra. São Pedro fundou a Igreja de Roma, da qual foi o primeiro bispo. Seu sucessor é o Papa, bispo de Roma, vigário de Cristo.
São João Batistafoi o precursor de Jesus, aquele que o apresentou ao povo de Israel. Filho de Zacarias e Santa Isabel, foi santificado ainda no seio materno quando da visita de Nossa Senhora, já grávida do Menino Jesus. Por isso a Igreja festeja no dia 24, o seu nascimento, ao contrário de todos os outros santos, dos quais ela só comemora a morte, ou seja, seu nascimento para o Céu. Desde criança, retirou-se para o deserto para fazer penitência e se preparar para sua futura missão. Ministrava ao povo o batismo de penitência, ao qual Jesus também acorreu, por humildade. São João Batista era o homem da verdade, sem acepção de pessoas. Por isso admoestava o Rei Herodes contra o seu pecado de infidelidade conjugal e incesto, o que atraiu a ira da amante do rei, Herodíades, que instigou o rei a metê-lo no cárcere. No dia do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades, Salomé, dançou na frente dos convivas, o que levou o rei, meio embriagado, a prometer-lhe como prêmio qualquer coisa que pedisse. A filha perguntou a mãe, que não perdeu a oportunidade de vingar-se daquele que invectivava seu pecado. Fez a filha pedir ao rei a cabeça de João Batista. João foi decapitado na prisão, merecendo o elogio de Jesus, por ser um homem firme e não uma cana agitada pelo vento: “Entre os nascidos de mulher não apareceu ninguém igual a João Batista”.
João Batista foi fiel imitador de Jesus Cristo, caminho, verdade e vida, que, como disse o poeta João de Deus, “morreu para mostrar que a gente pela verdade se deve deixar matar”.
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Festa de Corpus Christi

FÉ – AMOR - REPARAÇÃO
Dom Fernando Arêas Rifan*
Amanhã celebraremos com toda a Igreja a solene festa do Corpo de Deus, ou Corpus Christi, solenidade em honra do Corpo de Cristo, presente na Santíssima Eucaristia.
Por que tal festa? “Augustíssimo sacramento é a Santíssima Eucaristia, na qual se contém, se oferece e se recebe o próprio Cristo Senhor e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. O Sacrifício Eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua pelos séculos o Sacrifício da cruz, é o ápice e a fonte de todo o culto e da vida cristã, por ele é significada e se realiza a unidade do povo de Deus, e se completa a construção do Corpo de Cristo. Os outros sacramentos e todas as obras de apostolado da Igreja se relacionam intimamente com a santíssima Eucaristia e a ela se ordenam” (Direito Canônico cân. 897).
O mesmo nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “A Eucaristia é o coração e o ápice da vida da Igreja, pois nela Cristo associa sua Igreja e todos os seus membros a seu sacrifício de louvor e ação de graças oferecido uma vez por todas na cruz a seu Pai; por seu sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre o seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia é o memorial da páscoa de Cristo: isto é, da obra da salvação realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra esta tornada presente pela ação litúrgica. Enquanto sacrifício, a Eucaristia é também oferecida em reparação dos pecados dos vivos e dos defuntos, e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais” (nn.1407, 1409 e 1414).
Esse tesouro de valor incalculável, a Santíssima Eucaristia, centro e o ponto culminante da vida da Igreja Católica, foi instituído por Jesus na Última Ceia, na Quinta-feira Santa. Mas, então, a Igreja estava ocupada com as dores da Paixão de Cristo e não podia dar largas à sua alegria por tão augusto testamento. Por isso, na primeira quinta-feira livre depois do tempo pascal, ou seja, amanhã, a Igreja festeja com toda a solenidade, com Missa e procissão solenes, Jesus Cristo, vivo e ressuscitado, presente sob as espécies de pão e vinho, na Hóstia Consagrada. Esta festa tem a finalidade de expressarmos publicamente a nossa e adoração para com Jesus Eucarístico e, ao mesmo tempo, nossa reparação pelos ultrajes, sacrilégios, profanações, e, até também, pelos abusos litúrgicos que infelizmente acontecem com relação à Santíssima Eucaristia.
O Papa João Paulo II, na sua Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, já nos advertia contra os “abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento” e lastimava que se tivesse reduzido a compreensão do mistério eucarístico, despojando-o do seu aspecto de sacrifício para ressaltar só o aspecto de encontro fraterno ao redor da mesa, concluindo: “A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambigüidades e reduções”.
Nessa festa de Corpus Christi, demonstremos, pois, a importância da Eucaristia na Igreja e a nossa fé, adoração, respeito, reparação e amor por Jesus Eucarístico.
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

terça-feira, 5 de junho de 2012

Um Cientista Santo

UM CIENTISTA SANTO
 
                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*
 
Em 2001, em Roma, tive a honra de jantar com uma distinta senhora e seu genro, cuja identidade me surpreendeu. Tratava-se da viúva do grande médico cientista, Dr. Jerôme Lejeune, falecido em 1994, e seu genro, o diretor da Fundação Jerôme Lejeune, inaugurada após sua morte, que dá continuidade à sua ação em favor dos deficientes mentais.
Jérôme Jean Louis Marie Lejeune (1926-1994) foi um médico francês, pediatra, professor de genética e cientista, a quem se deve a descoberta da anomalia cromossômica que dá origem à trissomia 21, identificando assim a origem genética da chamada Síndrome de Down.   
            O professor Lejeune, considerado o pai da genética moderna, obteve, entre várias honrarias e títulos, os de doutor Honoris Causa das universidades de Düsseldorf (Alemanha), Pamplona (Espanha), Buenos Aires (Argentina) e da Pontifícia Universidade do Chile. Ele era membro da Academia de Medicina da França, da Academia Real da Suécia, da Academia Pontifícia do Vaticano, da American Academy of Arts and Sciences e da Academia de Lincei (Roma) entre outras. Participou e presidiu várias comissões internacionais da ONU e OMS. Obteve numerosos prêmios pelos seus trabalhos sobre as patologias cromossômicas, entre os quais o Prêmio Kennedy em 1962, que recebeu diretamente das mãos do presidente John F. Kennedy. Em 1964, ele foi o primeiro professor de genética na Faculdade de Medicina de Paris.
            Em 1974, o Papa Paulo VI o convida a fazer parte da Pontifícia Academia das Ciências e, mais tarde, do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Em 1981, Jérôme foi eleito à Academia de Ciências Morais e Políticas da França e, em 1994, tornou-se o primeiro presidente da Pontifícia Academia para a Vida, criada naquele mesmo ano pelo Beato João Paulo II, de quem era amigo particular.
Mas, o mais surpreendente de tudo isso: ele teve uma vida santa. João Paulo II, em 1997, na Jornada Mundial da Juventude em Paris, fez questão de ir rezar no seu túmulo. Seu processo de beatificação e canonização foi aberto em 28 de junho de 2007. Com Missa pela vida celebrada na Catedral de Notre-Dame de Paris, em abril passado, encerrou-se o processo diocesano da causa de beatificação e canonização do servo de Deus Jérôme Lejeune. Conhecido por tratar e acompanhar pacientes com deficiência intelectual e, sobretudo, pelo compromisso em favor da vida humana, em 1971 realizou um discurso contra o aborto no National Institute for Health e depois disto mandou uma mensagem à sua esposa dizendo: “hoje perdi meu Prêmio Nobel”. Nesse discurso, Lejeune foi forte: “Vocês estão transformando seu instituto de saúde em um instituto de morte”.
A Igreja tem santos de todos os tipos, temperamentos, profissões, classes sociais, idades, países e línguas. Assim ela nos ensina que a santidade não está excluída de ninguém. Pelo contrário, está ao alcance de todos. “Todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade” (Lumen Gentium, 39).
 
                                                                       *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
                                                                         São João Maria Vianney

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Segredo de Fátima

O SEGREDO DE FÁTIMA
Dom Fernando Arêas Rifan*
Domingo passado, com o dia das mães, celebramos o 95o aniversário da primeira de uma série de aparições de Nossa Senhora a três pobres crianças, pastores de ovelhas, em Fátima, pequena cidade de Portugal, de onde a devoção se espalhou e chegou ao Brasil. E são sempre atuais e dignas de recordação as suas palavras e seu ensinamento.
O segredo da importância e da difusão de sua mensagem está exatamente na sua abrangência de praticamente todos os problemas atuais. E aquelas três pobres crianças foram os portadores do “recado” da Mãe de Deus para o Papa, os governantes, os cristãos e não cristãos do mundo inteiro.
Ali, Nossa Senhora nos alerta contra o perigo do materialismo comunista e seu esquecimento dos bens espirituais e eternos, erro que, conforme sua predição, vai cada vez mais se espalhando na sociedade moderna, vivendo os homens como se Deus não existisse: o ateísmo prático, o secularismo.
A Rússia vai espalhar os seus erros pelo mundo”, advertiu Nossa Senhora. A Rússia tinha acabado de adotar o comunismo, aplicação prática da doutrina marxista, ateia e materialista. Se o comunismo, como sistema econômico, fracassou, suas ideias continuam vivas e penetrando na sociedade atual. Aliás, os outros sistemas econômicos, se também adotam o materialismo e colocam o lucro acima da moral e da pessoa humana, adotam os erros do comunismo e acabam se encontrando na exclusão de Deus. Sobre isso, no discurso inaugural do CELAM, em 13 de maio de 2007, em Aparecida, o Papa Bento XVI alertou: “Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século... Quem exclui Deus de seu horizonte, falsifica o conceito da realidade e só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas”. Fátima é, sobretudo, a lembrança de Deus e das coisas sobrenaturais aos homens de hoje.
Aos pastorinhos e a nós, Nossa Senhora pediu a oração, sobretudo a reza do Terço do Rosário todos os dias, e a penitência, a mortificação nas coisas agradáveis e lícitas, pela conversão dos pecadores e pela nossa santificação e perseverança.
Explicou que o pecado, além de ofender muito a Deus, causa muitos males aos homens, sendo a guerra uma das consequências do pecado. Lembrança muito válida, sobretudo hoje, quando os homens perderam o senso do pecado e o antidecálogo rege a vida moderna.
Falou sobre o Inferno - cuja visão aterrorizou sadiamente os pastorinhos e os encheu de zelo pela conversão dos pecadores –, sobre o Purgatório, sobre o Céu, sobre a crise que sofreria a Igreja, com perseguições e martírios.
Enfim, Fátima é o resumo, a recapitulação e a recordação do Evangelho para os tempos modernos. O Rosário, tão recomendado por Nossa Senhora, é a “Bíblia dos pobres” (João XXIII). Assim, sua mensagem é sempre atual. É a mãe que vem lembrar aos filhos o caminho do Céu.
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

Família - Igreja

FAMÍLIA – IGREJA
Dom Fernando Arêas Rifan*
Em minha pequena intervenção no Simpósio da 4ª Peregrinação das Famílias, fiz alusão ao que disse o Papa João Paulo II, chamando a família de “Igreja doméstica” (Familiaris consortio, 21, Lumen gentium, 11, CIC 1666) e “Santuário da vida” (Carta às Famílias, 11).
Igreja e santuário são lugares sagrados, como deve ser a família. De fato, é ali que nasce a vida, dom do Criador à criatura. É na família, de modo especialíssimo e único, que Deus continua a obra da sua criação, infundindo a alma na matéria fornecida pelos pais, formando assim um novo ser humano, que concretiza o amor dos esposos cristãos.
O lar cristão é o lugar onde os filhos recebem o primeiro anúncio da Fé. Nesta “Igreja doméstica”, comunidade de graça e oração, escola de virtudes humanas e de caridade cristã, aprendem-se as primeiras orações, o bom comportamento, isto é, os limites que devemos respeitar, o correto uso da liberdade, o respeito, a boa educação, a fraternidade e o amor.
Mas isso não significa que na família não haja problemas ou dificuldades. A Sagrada Família, modelo de todas, onde o Pai quis que seu Filho nascesse e crescesse, passou por grandes dificuldades, como no nascimento pobre de Jesus em Belém, na fuga para o Egito perseguido por Herodes e na simplicidade do trabalho em Nazaré. Mas nem por isso deixou de ser a família mais feliz do mundo. Também não quer dizer que na família não haja até pessoas ruins. Na ascendência de Jesus, entre seus ancestrais, portanto na sua família, havia pessoas não muito recomendáveis, que Deus quis que fossem nomeadas na sua genealogia.
Mas, se a família é como uma Igreja, a Igreja é também uma família. São Paulo nos chama de membros da família de Deus, “domestici Dei”, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos (cf. Ef 2, 19-20). É na Igreja que “nascemos de novo” pelo Batismo. Nesta família fomos recebidos, nela estamos alegres e felizes, por saber que estamos na casa de Deus.
Como toda família, a Igreja, divino-humana, tem também seus problemas, devidos à sua parte humana. Jesus disse que o “Reino de Deus” aqui na terra, a Igreja, é semelhante a uma rede, com peixes bons e maus, a um campo com trigo e joio. A depuração será só no fim do mundo. Quem quiser uma Igreja só de santos deve esperar o fim do mundo ou ir para o céu.
Essa noção de família é muito importante na eclesiologia. A Igreja é algo objetivo, fundada por Nosso Senhor sobre os Bispos, segundo a sucessão apostólica. A Igreja não é um grupo de amigos. “Na Igreja, eu não procuro meus amigos, eu encontro meus irmãos e minhas irmãs; e os irmãos e as irmãs não se procuram, se encontram. Esta situação de não arbitrariedade da Igreja na qual eu me encontro, que não é uma igreja da minha escolha, mas a Igreja que se me apresenta, é um princípio muito importante. Isto não é minha escolha, como se eu fosse com tal grupo de amigos ou com outro; eu estou na Igreja comum, com os pobres, com os ricos, com as pessoas simpáticas e não simpáticas, com os intelectuais e os analfabetos; eu estou na Igreja que me precede” (Ratzinger, Autour de la Question Liturgique, Fontgombault, 24/7/2001).
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

O Trabalho Dignificado

O TRABALHO DIGNIFICADO
Dom Fernando Arêas Rifan*
Dia 1º de maio celebramos a festa de São José operário, patrono dos trabalhadores. Desejoso de ajudar os trabalhadores a santificar o seu dia, já mundialmente comemorado, o Papa Pio XII instituiu a festa de São José operário, modelo do trabalhador. De origem nobre da Casa de Davi, ganhando a vida como simples carpinteiro, São José harmoniza bem a união de classes que deve existir em uma sociedade cristã, onde predominam a justiça e a caridade.

O trabalho é obra de Deus. Deus, ao criar o homem, colocou-o no jardim do Éden para nele trabalhar. O trabalho existe, portanto, antes do pecado. Depois deste, passou a ter a conotação de penitência, pois adquiriu uma nota de dificuldade e o necessário esforço para desempenhá-lo: “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gn 3,19).
Assim, o trabalho tem o aspecto natural necessário para o nosso sustento e o aspecto adicional de penitência, pois ele contraria nossa tendência, exacerbada pelo pecado, à preguiça e ao relaxamento. O trabalho é algo muito digno e nobre, seja ele qual for, desde que seja honesto e nos encaminhe para Deus, seu autor.

O trabalho é também expressão do amor. A expressão quotidiana deste amor na vida da Família de Nazaré é o trabalho. O texto evangélico especifica o tipo de trabalho, mediante o qual José procurava garantir a sustentação da Família: o trabalho de carpinteiro. Esta simples palavra envolve toda a extensão da vida de José. Para Jesus este período abrange os anos da vida oculta, de que fala o Evangelista, a seguir ao episódio que sucedeu no templo: «Depois, desceu com eles para Nazaré e era-lhes submisso» (Lc 2, 51). Esta submissão, ou seja, a obediência de Jesus na casa de Nazaré é entendida também como participação no trabalho de José. Aquele que era designado como o ‘filho do carpinteiro’, tinha aprendido o ofício de seu ‘pai’ adotivo. Se a Família de Nazaré, na ordem da salvação e da santidade, é exemplo e modelo para as famílias humanas, é-o analogamente também o trabalho de Jesus ao lado de José carpinteiro. Na nossa época, a Igreja pôs em realce isto mesmo, também com a memória de São José Operário, fixada no primeiro de maio. O trabalho humano, em particular o trabalho manual, tem no Evangelho uma acentuação especial. Juntamente com a humanidade do Filho de Deus ele foi acolhido no mistério da Encarnação, como também foi redimido de maneira particular. Graças ao seu banco de trabalho, junto do qual exercitava o próprio ofício juntamente com Jesus, José aproximou o trabalho humano do mistério da Redenção” (B. João Paulo II, Ex. Apost. Redemptoris Custos).

Trata-se, em última análise, da santificação da vida quotidiana, no que cada pessoa deve empenhar-se, segundo o próprio estado, e que pode ser proposta apontando para um modelo accessível a todos: São José é o modelo dos humildes, que o Cristianismo enaltece para grandes destinos; é a prova de que para serem bons e autênticos seguidores de Cristo não se necessitam grandes coisas, mas requerem-se somente virtudes comuns, humanas, simples e autênticas.”
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

terça-feira, 17 de abril de 2012

Um Lugar Perigoso

UM LUGAR PERIGOSO

Dom Fernando Arêas Rifan*

Na sociedade, há um lugar privilegiado, especialmente seguro, refúgio para todos os seus membros: a família, “santuário da vida”, “igreja doméstica”. Na família, há uma pessoa especial, a mãe, geradora da vida, objeto especial do nosso amor, pois é aquela da qual nascemos. E na mãe, há um lugar “sagrado”, o útero materno, sacrário onde a vida é gerada. Assim, no santuário da vida, a família, está esse sacrário da vida, o útero materno, lugar como que sagrado, protegido e seguro. O próprio Deus, quando enviou o seu Filho ao mundo para habitar entre nós, o aconchegou em um útero materno, o da Santíssima Virgem Maria, no qual o Verbo se fez carne e começou a ser um de nós. Por isso dizemos a Maria Santíssima: “bendito é o fruto do vosso ventre”, repetindo a saudação de Isabel (Lc 1, 42).
Chamava o Papa São Pio X de monstruosa e detestável iniquidade, própria do tempo em que vivemos, a pretensão do homem se colocar no lugar de Deus. Foi a tentação dos nossos primeiros pais. E vejamos os absurdos consequentes dessa pretensão. Probo ex absurdo!
No caso do aborto provocado, quando uma vida humana em gestação é assassinada, sob qualquer pretexto, é no útero materno que tal crime acontece, portanto no lugar mais sagrado do mundo, e, deveria ser, no lugar mais protegido por todas as leis do mundo.
Se uma criança já está fora do útero materno, após seu nascimento, não importando o tempo de sua gestação, até bem antes dos nove meses normais, ela é protegida por lei, em qualquer país civilizado, e seu assassinato é por todos considerado um crime hediondo. Todos condenam o infanticídio, seja por que pretexto for. Eu já tive que realizar batismo de urgência em berçários de hospitais e pude ver os cuidados e proteção com que cercam os bebês recém-nascidos, com toda assepsia exigida, para que não sejam contaminados e corram risco de vida.
Mas se a criança ainda está no útero materno, a proteção não é tão segura e ela não é tão protegida pela lei, dos homens, é claro, variável segundo a determinação dos homens que fazem as leis ou as interpretam. Eles assim, colocando-se no lugar de Deus, pretendem determinar até quando e onde a vida deve ser protegida ou não, até quando vale a pena ser vivida ou não.
Se uma criança, produto de um estupro, nasceu, mata-la é infanticídio. Mas no útero materno, em certos países, pode. Se um bebê “anencéfalo” nasceu, está nos braços da mãe ou no berçário, ainda que dure poucas horas, dias, ou mais como já aconteceu, mata-lo seria crime hediondo. Mas, se ainda está no útero materno, pode ser morto, sem problemas. Daí se chega ao absurdo, em países onde o aborto é permitido até aos nove meses, de, a criança estando para nascer, mas não é desejada, o médico perfurar o seu crâneo e mata-la antes de retira-la, pois assim ele é protegido pela lei, caso contrário, alguns minutos depois, ele seria um criminoso.
Assim, o útero materno, ao invés de ser um lugar seguro, tornou-se, por vontade dos homens, um lugar perigoso e arriscado. Fora dele se estaria seguro. Nele, corre-se o risco de ser assassinado sem maiores problemas. É a lógica dos homens, que pensam ser Deus.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

domingo, 8 de abril de 2012

Os Discípulos de Emaús


UM FATO EXTRAORDINÁRIO


Dom Fernando Arêas Rifan*

A Páscoa, maior festa religiosa do calendário cristão, é a celebração da gloriosa Ressurreição de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado, sobre a morte e sobre a aparente derrota da Cruz.
Cristo ressuscitou glorioso e triunfante para nunca mais morrer, dando-nos o penhor da nossa vitória e da nossa ressurreição. Choramos a sua Paixão e nos alegramos com a vitória da sua Ressurreição. Para se chegar a ela, para vencer com ele, aprendemos que é preciso sofrer com ele: “Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). “Que por sua Paixão
e morte de Cruz cheguemos à glória da Ressurreição”. O Calvário não foi o fim.
Foi o começo de uma redenção, de uma nova vida. A Páscoa é, portanto, a festa
da alegria e a da esperança na vitória futura.
Como figura,
esta festa já existia no Antigo Testamento. Era a celebração da libertação da
escravidão do Egito, na qual sofreram os israelitas, povo de Deus, por muitas
gerações, sendo libertados por Moisés que, por ordem do Senhor, fulminou os
egípcios com as célebres dez pragas. Na última dessas pragas, na passagem do
anjo de Deus (Páscoa quer dizer passagem, em hebraico), os egípcios foram
castigados com a morte dos seus primogênitos, ao passo que os hebreus foram
poupados pelo sangue do cordeiro que imolaram, conforme o Senhor havia
prescrito. Todos os anos, em ação de graças, eles repetiam, por ordem de Deus,
essa ceia de Páscoa: milhares de cordeiros eram imolados na sexta-feira antes
da Páscoa.
São João Batista, ao apresentar Jesus ao
povo, disse: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo!” Esse
Cordeiro de Deus, numa sexta-feira antes da Páscoa foi também imolado,
realizando, com o seu sangue, a libertação do mundo do pecado, ressuscitando no
terceiro dia. Essa é a nossa festa da Páscoa, a festa da Ressurreição de
Cristo, o verdadeiro Cordeiro de Deus, o fim do Antigo Testamento e o começo da
nova Aliança entre Deus e os homens, o início da Igreja.
“Se se considera a importância que tem o
sábado na tradição do Antigo Testamento, baseada no relato da criação e no
Decálogo, torna-se evidente que só um acontecimento com uma força
extraordinária poderia provocar a renúncia ao sábado e sua substituição pelo
primeiro dia da semana. Só um acontecimento que se tivesse gravado nas almas
com uma força fora do comum poderia haver suscitado uma mudança tão crucial na
cultura religiosa da semana. Para isso não teriam bastado as meras especulações
teológicas. Para mim, a celebração do Dia do Senhor, que distingue a
comunidade cristã desde o princípio, é uma das provas mais fortes de que aconteceu
uma coisa extraordinária nesse dia: o descobrimento do sepulcro vazio e o
encontro com o Senhor Ressuscitado” (Bento XVI – Jesus de Nazaré II).
Feliz
e Santa Páscoa para todos: que todos fiquemos alegres com a esperança que Jesus
Cristo nos dá com o seu triunfo, penhor da nossa vitória um dia no Céu, onde
todos esperamos nos encontrar.

*Bispo da Administração Apostólica
Pessoal

São João Maria Vianney

sábado, 7 de abril de 2012

Feliz Páscoa!!!!

Desejamos a todos uma Santa e Feliz Páscoa!!!


Grupo jovem da Paróquia Pessoal de Nossa Senhora Aparecida - Porciúncula - RJ

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Povo e a Massa

O POVO E A MASSA

Dom Fernando Arêas Rifan*

Estamos na Semana maior do ano, a Semana Santa, na qual recordamos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, Nosso Senhor. Sua aparente derrota no Calvário é suplantada pela vitória da sua gloriosa Ressurreição, que celebraremos na Páscoa.

Em Jesus Cristo, Deus feito homem, morto e ressuscitado para a nossa salvação, o coração humano encontra a solução para todos os seus problemas, a resposta a todas as suas dúvidas e a plena realização de todas as suas esperanças. Com ele aprendemos a alegria do amor gratuito, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte. Ali encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação (cf. Bento XVI, Porta Fidei).

A Semana Santa é cheia de lições para nós: o amor infinito e gratuito de Jesus por nós, pecadores, sua paciência sem limites, seu desejo de reconciliar com Deus a humanidade pecadora, pela qual ofereceu seu sacrifício, a crueldade dos carrascos, a inveja dos fariseus e doutores da lei, a fraqueza e covardia de Pilatos, a louca avareza de Judas, a atitude medrosa dos discípulos em fuga, a fortaleza de Nossa Senhora, a coragem das santas mulheres, a oração comovente do Bom Ladrão e o triunfo da sua Ressurreição. Quanta matéria para reflexão!

Mas, ocorre-nos uma questão intrigante: a mudança repentina do “povo” que pediu a morte de Jesus, depois de tê-lo aclamado rei no Domingo de Ramos. Como pode ocorrer uma mudança assim em cinco dias? Gritaram “hosana ao Filho de Davi” no Domingo e “crucifica-o” na sexta-feira seguinte?! Será que foi o mesmo “povo” ou foi outro? Ou houve alguma mudança que transformou sua mentalidade e comportamento?

Na verdade, não foi o verdadeiro povo que preferiu Barrabás a Jesus e pediu a sua morte. Foi a massa, manobrada pela aristocracia do templo, à qual se juntaram, para pressionar, os partidários de Barrabás, enquanto os seguidores de Jesus, o povo simples e bom, permaneceram escondidos de medo. Portanto, a vox populi realmente não foi válida, porque não correspondeu à realidade de “voz do povo” (cf. Bento XVI, Jesus de Nazaré II).

Ou pode ser até que as mesmas pessoas, que antes eram povo, então se tornaram massa! Como assim? Qual a diferença? O povo raciocina, a massa não. O povo caminha, a massa é conduzida. O povo segue racionalmente, a massa é manipulada cegamente. O povo percebe os embustes, a massa é alvo fácil de quaisquer demagogos e propagandistas. “O povo vive, a massa é inerte e não se move se não do exterior, fácil joguete nas mãos de quem quer que lhe explore os instintos e as impressões, pronta a seguir, alternadamente, hoje esta bandeira e amanhã aquela” (Pio XII). Assim, o povo aclamou espontaneamente Jesus no domingo de Ramos. A massa, manipulada, pediu sua morte.

Sejamos nós o povo de Deus, racional e consciente, discípulos convictos de Jesus Cristo, firmes na fé e na doutrina cristã, e não a massa manobrável por pressões, sentimentos e propaganda, fácil presa das emoções, do medo, das seitas, dos formadores de opinião, da acomodação e do argumento da maioria.

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal

São João Maria Vianney